domingo, 30 de março de 2014

Políticos no Púlpito e Pastores no Palanque



A sensação que tenho nas épocas de campanhas eleitorais no Brasil é que a igreja vive o retrocesso da estratégia de Constantino (272 d.C. - 337 d.C.) em unificar a igreja e o Estado, para assim firmar seu poder sobre os dois pilares poderosos do mundo daqueles dias, o Império Romano é o Cristianismo.

Até a realização do Concílio de Nicéia (325 d.C.), o cristianismo sofria graves perseguições por parte do Império Romano, igrejas destruídas, cristãos eram aprisionados e tinham seus bens confiscados pelo Estado. O Imperador Diocleciano (245 d.C. - 316 d.C.) foi sem dúvida um dos mais terríveis perseguidores do cristianismo. Diocleciano foi sucedido pelo imperador Constantino I, que interrompeu esta terrível perseguição contra os cristãos.

Em 325 d.C., Constantino convidou os bispos cristãos para um concílio em Nicéia, e aproximadamente 300 líderes cristãos apareceram para este encontro. No encontro Constantino procurou apaziguar a disputa doutrinária que havia na igreja e mesmo não sendo cristão, liderou o concílio e influenciou as decisões importantes no que dizia a fé cristã. Mais tarde, em em 27 de Fevereiro de 380 d.C. o Imperador Bizantino Teodósio 1º (347 d.C. - 395 d.C.) decretou o cristianismo como a religião oficial do Estado. Desde então os cristãos passaram a servir a dois senhores, o Império e a Igreja. “Nicéia custou à Igreja a sua independência, pois a igreja tornou-se imperial desde esta época e a partir dai foi cada vez mais sendo dominada pelo imperador.”[1] E no interior da igreja acontecia uma corrupção generalizada. “A igreja enfrentava grave crise: cismas; cidades e países desolados pela guerra entre romanos, bárbaros e bizantinos; pecados dos mais vergonhosos, principalmente entre os cristãos. A espiritualidade, outrora presente na vida dos cristãos primitivos, havia desaparecido do meio da igreja naqueles dias. Era extremamente difícil encontrar um só soberano, legislador ou qualquer autoridade que não fosse um herege ou um pagão. Nas escolas, colégios e nas famílias, jovens e crianças imitavam o comportamento pecaminoso dos pais e dos professores.”[2]

Apesar da Reforma Protestante ter trazido uma grande liberdade para a igreja, a mesma continuou de certa forma sob a influência do Estado. Ao rejeitar a soberania papal, os Reformadores atribuíram ao Estado funções reguladoras dos negócios eclesiásticos. Esta separação entre a Igreja e o Estado foi algo lento e localizado, nunca chegou a ser uma doutrina universal, nem mesmo para os reformados, basta verificarmos os países tidos por reformados e a sua ligação e dependência do poder e recursos do Estado. A igreja americana, muitos anos depois da Reforma, experimentou desta liberdade plena, algo que podemos notar num dos escritos de Thomas Jefferson: "... eu contemplo com reverência soberana que age de todo o povo americano, que declarou que sua legislatura deve 'fazer nenhuma lei respeitando um estabelecimento da religião, ou proibindo o seu livre exercício', assim, construindo um muro de separação entre Igreja e Estado.”[3].

A verdade é que embora parte da igreja tenha adotado uma declaração de fé de separação do Estado e o Estado adotado leis laicistas, esta separação na prática nunca se realizou plenamente, e seus laços se tornam muito mais visíveis em tempos de campanhas eleitorais, mesmo nos Estados Unidos. É a velha história de crer e pregar uma coisa e viver outra.

No Brasil a separação da Igreja do Estado foi promulgada em 1891, mas na verdade estes laços nunca foram rompidos plenamente e com o crescimento dos evangélicos, certa parte deste envolvimento entre a Igreja e o Estado também alcançou os arraias evangélicos. A igreja evangélica, de certa forma muito mais coesa localmente, passou a ser um curral eleitoral muito atrativo para os candidatos políticos. Passamos então a presenciar uma adulação entre pastores e candidatos políticos. Os púlpitos que deveriam ser usados para a pregação da Verdade passam a serem palanques eleitorais para candidatos mentirosos, e os palanques políticos que no geral são plataformas para proclamação da mentira passam a ser cada vez mais ocupados por pastores, homens que em algum ponto das suas vidas se comprometeram a serem proclamadores da Verdade.

O caso é grave, temos pastores que usam de sua influência espiritual sobre o rebanho para exigir dele que votem em determinados candidatos políticos, que por sua vez fazem uso da sua influência política sobre os pastores, com promessas diversas, para conseguirem apoio para a sua candidatura. Como se o mal não bastasse, igrejas começam a lançar seus próprios candidatos ou pastores que se tornam políticos e ai tanto a Igreja como o Estado vivem uma confusão sem fim. Assuntos como homossexualidade, eutanásia, aborto, ciências em geral, entre tantos outros misturam-se neste caldeirão laicista com ingredientes religiosos, que misturados e cozinhados são servidos ao povo dentro e fora da igreja, causando uma terrível má digestão para toda a sociedade.

É preciso que a Igreja e o Estado se separem, e cada um, de forma independente, mas também de forma cooperativa possam cumprir suas agendas individuais nas áreas religiosas, sociais, políticas e econômicas visando um futuro melhor para o país E para concluir apresento abaixo algumas questões práticas:

O púlpito da igreja jamais deve ser cedido para candidatos políticos e nem utilizado por seus pastores como plataforma eleitoral. 

A igreja deve exigir de seus pastores uma postura autônoma e desvinculada de qualquer candidato político, devido a sua posição de influência o pastor deve manter a devida distância dos palanques eleitorais e sua preferência política deve ser reservada para si mesmo. 

A igreja nunca deve permitir que se faça campanha política em seu meio, mesmo que seu pastor seja candidato, e se o for, ao meu ver, deveria ser exonerado do seu ofício pastoral.
A igreja pode e deve promover diálogos de conscientização política, de forma independente e sem manipulação, ajudando assim que seus membros sejam capazes de escolher em boa consciência em quem votar. 

Os órgãos de fiscalização pública devem vigiar e agir com firmeza contra candidatos, pastores e igrejas que fazem uso de recursos públicos para fins privados em troca de votos. 

Se você é cristão, e sabe que o púlpito da sua igreja será cedido para algum candidato político, mostre sua insatisfação e vá participar do culto noutra igreja neste dia, onde a Palavra de Deus for pregada. 

Se sua igreja se envolveu ou se envolve demais com política peça transferência para outra igreja para não ser convivente com esta prática. 

E por fim, seja você mesmo responsável pelo seu voto, estude os candidatos, escolha aqueles que estão com suas fichas limpas e honestos, independente de serrem cristãos ou não. Se não encontrar ninguém, anule seu voto para não trair sua consciência.


Luis A R Branco é colunista do Genizah



[1] Earle E. Cairns, O Cristianismo Através Dos Séculos, 2. ed. (São Paulo: Vida Nova, 2006), 108-109.
[2] José Carlos Pezini, Luis Alexandre Ribeiro Branco. O Caminho Para a Espiritualidade. (CreateSpace Independent Publishing Platform, September 15, 2011), Plataforma Logos.
[3] Jefferson's Letter to the Danbury Baptists (June 1998) - Library of Congress Information Bulletin.




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